segunda-feira, 28 de maio de 2018

Tahé-antáh-tri

A necessidade de chamar por um nome específico o conjunto de conhecimentos proveniente dos antigos puris -a sabedoria ancestral -me levou a pesquisar novamente os registros escritos da nossa língua. A reflexão a  respeito do que eu tentava nomear, das palavras encontradas e seus significados; este é o objetivo desta postagem.
Em primeiro lugar, tenho que dizer o que entendo por sabedoria ancestral do nosso povo
Uma parte dela são os conhecimentos encontrados entre alguns remanescentes puris mais velhos -ou mais velhas, já que há muitas anciãs nessa condição. Tem a ver com a cura pelas ervas, realização de partos, cuidado com recém-nascidos, e também com plantio, extração de matérias-primas da natureza, trato com animais, relação com os seres deste e de outros planos. A perseguição aos indígenas fez com que, geração após geração, esses remanescentes puris, que ainda conservam seu vínculo com a terra, fossem deixando de assumir identidade indígena; contudo, alguns conhecimentos ancestrais permaneceram, mesmo que não se reconheça sua origem de imediato -confundem-se com o universo rural e 'caboclo', assim como as próprias pessoas que os receberam de seus pais, mães e avós.
Outra parte do que chamo sabedoria ancestral se refere aos registros das práticas dos antigos puris -aquilo que foi escrito pelos pesquisadores e cronistas que tiveram contato com nossos ancestrais (em que pese a leitura eurocêntrica que fizeram daquilo que viram, obviamente).
Juntando-se essas duas partes, temos aquilo que prefiro chamar de saber dos antigos.
Pesquisando os registros de nosso vocabulário, chego à palavra tri, que significa saber.
A palavra que temos para ancestral está grafada como tahay-etta. Analisando as duas palavras que compõem o termo, chegamos a tahé, que significa velho, e etta (também grafada antah), que significa avô. A palavra avô também aparece como tahé em algumas fontes; a palavra velho, nesse caso, parece se referir a pessoa.
Num primero momento, poderíamos ler tahé-antah (ou tahay-etta) como 'velho avô'. Mas o adjetivo, em puri, costuma vir depois do substantivo -como é afirmado pelo linguista Loukotka e reforçado pelo filólogo Gamito, a partir de exemplos como mbl'êma schuteh (moça, mulher bonita) pàmà pèoan (onça negra). Já na relação de pertencimento, ao contrário do que ocorre no português, o possuidor costuma vir antes daquilo que é possuído: tupan-guara é casa de deus; tapira-pé é couro de touro. Isso nos permite concluir que tahé-antáh seja avô do velho: este seria o significado literal de ancestral.
Diante do que foi exposto, me sinto à vontade para chamar o saber dos ancestrais de tahé-antáh-tri.
Essa é a forma que considero mais adequada para se referir à sabedoria puri.

Referências:


GAMITO, José Aristides da Silva. Pequeno Manual de Gramática e Vocabulário da Língua Puri. Conceição de Ipanema: Edição Digital, 2016.

LEMOS, Marcelo S. Vocabulário da Língua Puri. Rio de Janeiro: Edição Digital, 2014.


LOUKOTKA, Chestmir. "La família lingüística coroado". In: Journal de la Societé des Américanistes. Tome 29, nº 1, 1937, pp. 157-214

Nenhum comentário:

Postar um comentário